segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Deus: a total alteridade


Deus: alteridade absoluta




“Alteridade (ou outridade) é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo).
Dessa forma eu apenas existo a partir do outro, da visão do outro, o que me permite também compreender o mundo a partir de um olhar diferenciado, partindo tanto do diferente quanto de mim mesmo, sensibilizado que estou pela experiência do contato”( http://pt.wikipedia.org/wiki/Alteridade).

Esta é uma das definiççoes de “ alteridade”. Nenhum indivíduo cresce e se desenvolve sem referência a um Outro, exatamente em relação ao outro que nos definimos como sujeitos. Não é a toa que Jesus nos disse que os grandes mandamentos, que resumem toda lei e os profetas, é amar a Deus e ao próximo como a si mesmo.

Já faz alguns domingos que quando sento em minha cadeira para cultuar, sempre sou levado a pensar em quem realmente Deus é para mim. Tenho pensando também no que Ele significa para mim e em qual a diferença que crer em Deus faz em minha vida. Percebi que sempre que penso nisto, tenho a tendência a usar a minha própria vida para pensar em Deus. Penso em como ele supre minhas necessidades; penso em como ele me faz feliz; em como ele me salva; restaura minha alma; me conduz como bom pastor. Em nenhum momento parei para pensar em Deus em si mesmo. Dificilmente penso em Deus e em quem Ele é e o que Ele, como Deus, representa para mim; o que há nele que me seduz, ou porque Ele me atrai. No fundo minha pergunta é: Quem é Deus e o que Ele representa para mim? Caso ele nao fizesse nada para mim, o que Ele representaria? Como posso pensar em Deus sem me usar como referência?

Amar a Deus sobre todas as coisas— creio que significa ver Deus como a suprema alteridade. Deus é aquele completamente diferente de mim mesmo. Ele é o Outro absoluto. Pensar em Deus é pensar em algo completamente externo a mim; alguem que existe sem a minha ajuda, que sempre existiu. Deus tem seus próprios pensamentos; os nossos pensamentos não são os pensamentos dele. Quem conheceu a mente de Deus? Ele não é mortal. Deus é espírito. Ele possui outra natureza e habita em uma dimensão completamente alheia à nossa dimensão. Deus é eterno; um espírito que a tudo preenche e habita todo o planeta. Pensar em Deus me obriga a tirar os olhos de mim mesmo. Crescemos e, naturalmente, temos a tendência a nos relacionar com o mundo de forma egoísta, para suprir nossas necessidades biológicas e emocionais; todas elas se relacionam com a perpetuação de nossa espécie. Está em nossos genes que devemos sobreviver. É natural que pensemos assim. Entretanto, pensar em Deus e se relacionar com Ele nos obriga a dar um salto de nossa condição puramente animal para uma condição existencial e espiritual mais sublime e que tem parte com a natureza de Deus. Acredito que algo que caracteriza a natureza de Deus é sair Dele para o outro. Deus é o criador porque ele quis dividir-se com a raça humana. Deus é amor , mas não é qualquer amor. Deus é amor ágape. Amor altruista e desinteressado. Nós, seres humanos, não sabemos amar desta forma; precisamos aprender com Deus como amar como Ele ama.

Amar ao próximo como a si mesmo— Esta atitude é um movimento natural para aquele que vê Deus como a alteridade absoluta. Alguem que não tem mais a si mesmo como o referencial de tudo, “ o homem é a medida de todas as coisas”, já pode começar a amar como Deus ama. Pode começar a olhar e escutar o outro sem ter a si mesmo como referencial
Acredito que esta é uma das diferenças que Deus faz em minha vida: ele me ensina a olhar para fora de mim mesmo. Ele me ensina todas as coisas, Ele me mostra todas coisas. Num poema de Pessoa encontramos um eco desta verdade:

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando agente as tem na mão
E olha devagar para elas

Deus em minha vida é a dádiva de ter um olhar verdadeiro. Bem aventurados quem tem um coração puro, esse verá a Deus. E verá a Deus porque seu coração tem olhos para ver; olhos que não estão contaminados pela nossa natureza caída que só tem olhos para nossas necessidades. Deus é um salto da necessidade para o amor. Deus é a grande mudança que se faz em nós quando finalmente aprendemos que não somos o centro do mundo; de que o sol não gira ao redor da terra; de que os homens também são animais, e de que é possível amar como Jesus, que não pensou em suas necessidades, mas em nossa salvação.
Quem tem ouvidos para ouvir , ouça.

Rafael Pinheiro.